Depois de 2 semanas sem postarmos o evangélio de domingo, segue o VI Domingo de páscoa nas palavras do nosso querido Pe. Carlo.
«Se me amais, guardareis os meus mandamentos, e eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber porque não o percebe nem o reconhece. Vós o conheceis, porque ele vive convosco e estará dentro de vós. Não vos deixarei desamparados. Eu virei a vós. Pouco tempo ainda, e o mundo não mais me verá, mas vós me vereis, porque eu vivo e vós vivereis. Naquele dia fareis experiência de que eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós. Quem faz seus os meus mandamentos e os observa, esse me ama. Ora, quem me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.» (Jo. 14,15-21).
Estamos vivendo no eco da Ressurreição, que a liturgia prolonga até à festa de Pentecostes. É o tempo em que refletimos e sentimos a estranha situação de “presença e ausência” do Senhor. Ao longo destes dias que estamos celebrando revivemos os sentimentos dos Apóstolos: Ele ressuscitou, se mostrou vivo, mas ainda não assumiu a sua posição definitiva ao lado do Pai, como Rei do Universo e da história. É um Jesus que está presente ainda com os seus, mas não permite a Madalena de “segurá-lo” nesta condição, porque Ele irá ao Pai. É neste contexto espiritual e psicológico que se tornam sempre mais claras as palavras que Jesus havia deixado como herança aos seus discípulos durante a última ceia e que, aqui, são recordadas pelo Evangelista João. Palavras que preparavam os discípulos a viver a nova condição que hoje nós vivemos: a condição da Igreja profunda e eternamente unida ao seu Senhor, mas não do mesmo modo como qual estava a comunidade primitiva. Paulo chamará “mistério” a nova condição com a qual Jesus e a sua comunidade permanecem unidos. Evidentemente a palavra não significa “arcano”, “escondido” “oculto”; a etimologia indica o gesto de fechar os olhos pela intensidade da luz.
Neste trecho que acabamos de ler e que reflete o último diálogo de Jesus com os seus, recebemos do Senhor a mais evidente revelação quanto ao Espírito Santo dando assim cumprimento a toda a revelação de Deus. Se no Antigo Testamento o Espírito era percebido apenas como uma força desconhecida que provinha de Jahvé e que irrompia subitamente no homem para que este realizasse uma missão, aqui a revelação do Espírito de Jahvé alcança o seu auge: não é uma “força”, é uma “pessoa”. Podemos imaginar perfeitamente o espanto gerado e a força de afirmação de tudo isto: dizer que o Espírito é uma pessoa é bem diferente que dizer que é uma “força”, uma “energia” que vem de Deus, ou identifica-Lo com fenômenos estranhos.
O que mais escandalizava não era apenas o fato de que Jesus havia demonstrado a sua origem divina e, logo, de ser Ele Deus, mas aqui, ao apresentar o Espírito como uma pessoa colocava em crise toda a religiosidade dos judeus: afinal, como é possível que exista uma mesma divindade em três pessoas? No entanto as palavras de Jesus não deixavam dúvidas: «eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor ».
O que está implícito por detrás desta expressão: «outro Defensor»? É a primeira vez que o Senhor aplica ao Espírito de Deus o mesmo atributo que os cristãos aplicavam a Jesus; como deixa transparecer a carta de João: «Temos como defensor junto do Pai Jesus Cristo, o Justo» (1Jo. 2,1). A expressão vem do grego: “paraklhtoV” (paráclito) que significa literalmente “alguém que grita em favor de outro”, ou seja, um defensor acirrado, que não deixa por menos, que faz de tudo para salvar o acusado, que não o deixa sozinho diante do acusador. Ao falar deste modo do Espírito, Jesus o caracteriza especificamente como uma pessoa, uma pessoa que fará o mesmo que Ele fez, um “outro” defensor como Ele o foi. Afinal, quantas pessoas foram “defendidas” por Jesus? Defendidas da falta de respeito, da desconsideração dos potentes, da rigidez do moralismo que se esquece o valor da pessoa para revestir-se de uma falsa “justiça”? Não foi isto que Jesus fez com os leprosos, com os pecadores públicos, com as pessoas esquecidas, com os “pequenos” sem direito de palavra...? Não foi Jesus que derrotou o mal com o seu amor?
A mesma missão de Jesus, defensor, continuaria ainda na comunidade de fé, na Igreja que Ele deixou como lugar da Sua presença no meio do mundo.
Mas como e com quais meios o Espírito “defenderá”?
E contra as acusações de quem?
Jesus defendeu a verdade sobre o homem, defendeu a verdade sobre o mundo e as relações que irão permanecer para sempre, identificando com clareza o que é destinado a terminar e o que é destinado a permanecer. Jesus desmascarou a mentira da ilusão coma verdade do amor sem condições; mas como agirá o Espírito?
Evidentemente a primeira coisa que precisamos fazer é libertar-nos de alguns preconceitos ligados a formas espetaculares de fenômenos associados ao Espírito Santo. Se Jesus não escolheu de “descer da cruz” (como lhe propuseram) para que o mundo acreditasse, sem dúvida o Espírito não agiria de modo contrário suscitando espetáculo. Ninguém nega a possibilidade de eventos extraordinários, mas estes são apenas extraordinários, assim como a grande parte dos milagres de Jesus. O que mudou o mundo não foram os milagres, mas sim o amor dado sem medida.
Creio que o caminho para entender a missão do Espírito nos seja sugerido pela outra afirmação de Jesus sobre o Espírito: «ele vive convosco» (note-se o pronome pessoal!).
-- continua no próximo post.
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