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6 de junho de 2011

Ascenção do Senhor – Parte II

Naquela comunidade onde ainda havia a possibilidade de entregar-se ao poder da decepção, alguns “acreditavam”, outros “ainda não”; sequer sabemos quais fossem os sentimentos de cada um, mas isso é importante para Jesus? Seja o que fosse, seja o que se passasse dentro do coração de cada um deles, é Jesus que «se aproximou»; fez como sempre faz Deus: dá o primeiro passo e chega aonde nós estamos. Ele é o pastor que recolhe a ovelha ferida, basta que essa se deixe encontrar e não tenha receio das intenções do pastor: ele é “bom”!
 
Frequentemente, quando Jesus aparecia aos discípulos, não deixava de exortar com palavras tais como: «Não tenhais medo». Dessa vez não será necessário. Algo mudou profundamente na relação entre Jesus e os seus. O relacionamento parece ser mais adulto, menos preso a estímulos externos. Jesus os saúda com uma simples e profunda constatação, como uma admoestação que deveria estar sempre presente na mente e no coração da Igreja: «Todo poder me foi dado». Estas palavras marcam a figura do “Filho do Homem” (Dan 7,13), um personagem cuja origem é “do céu” e ao qual o “Ancião” (Deus) entrega todo o poder. Eis, então, que as palavras de Jesus ressoam como uma constatação: de agora em diante não precisará mais que alguém diga: “Não tenhais medo”, os discípulos por si próprios descobrirão em si a inutilidade do medo. A motivação é simples e se deriva do sentido da palavra usada pelo evangelista. Na sua língua existiam duas palavras semelhantes: a primeira (dunamiV) entende o “poder” como “força”, como “soberania” no sentido de ter o “poder de dispor” como quiser sobre qualquer coisa. Mas não é essa a palavra que Mateus usa para indicar o que Jesus deixou claro aos discípulos. O Senhor não liga para esse tipo de “poder”, bem mais semelhante ao “poder” dos fortes, mais semelhante ao “poder” que o demônio lhe havia oferecido outrora quando das tentações no deserto. A Igreja não pode cair nessa armadilha. A palavra usada (exousia) deriva do verbo “ser” e indica o seguinte: “é possível”. Pois bem, essa é a novidade que Deus traz ao homem triste e desesperado, ao homem que não vê saída para a sua vida, ao homem que ainda diz: “Não tem como...”, Jesus e a Igreja deverão dizer: “É possível”!
 
Sim, é possível.
 
Esse é o bom anúncio do Evangelho. O que aos olhos de qualquer um é impossível, de fato “é possível”, porque até o mais profundo dos males humanos foi tocado por Jesus que desceu até as profundezas da fragilidade e do desespero do homem. É um poder de esperança certa, não de resultado em curto prazo. Essa é a diferença entre o poder que o demônio sempre oferece e o poder de Jesus que a Igreja deve continuamente oferecer ao homem que sofre. Fortes com essa força, os onze poderão ir ao mundo dos homens e anunciar. Quanto mais eles forem capazes de manter viva dentro de si essa certeza que Jesus lhes comunicava, tanto mais os que eles encontrassem em seus caminhos ficariam fascinados pelo mistério que envolvia aquela comunidade de fé. Desse sentimento brotará a sede, o desejo se sentir a “Palavra” e a “presença” de Jesus. Como resposta a esse desejo do discípulo, Jesus indicará as duas dimensões através das quais será possível fazer experiência de que Ele está “vivo” e que age com os discípulos: o Senhor garante para a sua comunidade: «Eu estarei sempre convosco...». É o discipulado, é o caminho do Batismo que nos faz mergulhar sempre mais no mistério da pessoa viva e operante de Jesus na sua comunidade.
 
O encontro dos discípulos com o Senhor é descrito da mesma maneira que o de Moisés com Jahvé: os discípulos são descritos como “prostrados” diante do Senhor após quarenta dias de preparação. É assim que Moisés recorda o dia em que recebeu as “dez palavras” que permitiriam a Israel ser um povo consagrado: «Fiquei prostrado perante o Senhor quarenta dias e quarenta noites...» (Dt. 9,18). O livro do Êxodo menciona também as imagens do monte e da “nuvem” a qual, enquanto indicava a presença de Deus, contemporaneamente o “escondia” ao olhar humano: «Moisés, entrando pelo meio da nuvem, subiu ao monte; e lá permaneceu quarenta dias e quarenta noites» (Ex. 24,18). Aquela era a Aliança que tinha o seu fundamento na obediência à Lei e aos mandamentos; ou seja: enquanto Israel obedecesse aos mandamentos, isso seria sinal de sua dedicação a Jahvé e sua obediência o tornava um povo consagrado. Mas com Jesus as coisas adquiriram um aspecto bem diferente.
 
Moisés entrou e saiu da nuvem: estar na presença do Altíssimo foi uma condição momentânea e transitória. Contrariamente ao que aconteceu com Moisés, o evangelista nos diz que com Jesus ocorreu algo bem diferente; para tanto a leitura dos Atos dos Apóstolo traduz assim: «uma nuvem o acolheu», para indicar a condição estável e permanente de Jesus, não mais transitória.
 
Não só, mas expressa também a “aceitação” por parte de Deus de toda a vida do Filho dada como manifestação da sua “consagração” ao Pai. Deus “acolhe” definitivamente o Verbo Encarnado com tudo o que Ele foi para o homem. De uma vez para sempre, como por um mistério, algo da humanidade assumida por Jesus entrava na eternidade da comunhão trinitária.
 
È o destino final da história de todos e de cada um dos homens, percebida por Paulo e descrita nestes termos: «Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, - dizia aos cristãos de Colossos - buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do alto, porque a vossa vida já está escondida, com Cristo, em Deus» (Col. 3,1s). O fato da Ascensão é então a resposta que Deus Pai dá ao Filho o qual agiu como o verdadeiro “servo de Jahvé”, esperado por Isaías, que dará a sua vida para ver realizado o desejo do Pai de dar a felicidade ao homem, a sua criatura amada.
 
Assim, em Jesus, o homem poderá ter acesso definitivo à comunhão à qual, desde sempre, foi convidado. Era a resposta que de Deus o “servo de Jahvé” esperava após a sua oferta: «... quando der ele a sua vida como oferta pelo pecado, verá uma descendência e prolongará os seus dias..dar-lhe-ei em premio as multidões.» (Is. 53, 10s). Era o “sim” de Deus ao amor do Filho ao seu “sim”.
 
Talvez aquela nuvem continuará “subtraindo” ao nosso olhar a visão da pessoa de Jesus, nas dificuldades, quando as coisas parecem não ter sentido, quando somos afligidos por violências... mas não esconderá jamais a sua presença. Ora, será justamente a contemplação dessa presença, será o fato de sentir o Senhor ao lado e perceber-se nele mergulhado que consagrará definitivamente o coração do homem que busca a liberdade. Essa é a nova «multidão» que Jesus vê, aquela multidão reunida pela ação do Espírito que reunirá em torno de Jesus aqueles pelos quais o Senhor deu sua vida.
 
Viver a Igreja é viver o agradecimento eterno do Pai ao Filho. Façamo-lo com amor!

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