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20 de março de 2011

II Domingo de Quaresma

Hoje iniciamos os post do Evangélio do Dia com nosso querido Pe Carlo. Lembrando que todo Domingo teremos o Evangélio do Dia.
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«Seis dias depois, Jesus tomou consigo a Pedro, Tiago e seu irmão João, e os levou a um lugar à parte, sobre um alto monte. Transfigurou-se diante deles: seu rosto brilhava como o sol, e sua roupa tornou-se branca como a luz. Então lhes apareceram Moisés e Elias, conversando com ele. Pedro interveio, dizendo a Jesus: “Senhor, como é bom estarmos aqui! Se queres, farei aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Ainda falava, quando uma nuvem luminosa os envolveu, enquanto dela saía uma voz que dizia: “Este é meu Filho bem-amado, no qual encontro toda a minha satisfação. Ouvi-o”. A esta voz, os discípulos caíram com o rosto por terra e ficaram tomados de grande medo. Mas Jesus chegou perto, tocou neles e disse: “Levantai-vos e não temais”.

Então, eles ergueram os olhos, mas não viram ninguém a não ser somente Jesus. Descendo do monte, Jesus lhes ordenou: “Não faleis para ninguém do que acabais de ver, até que o Filho do homem ressuscite dos mortos”. » (Mt. 17, 1-9).

Já estava no coração de Jesus a decisão de ir para Jerusalém, de percorrer mais uma última vez aquele caminho junto com seus discípulos. As freqüentes adversidades, as rejeições, a hostilidade dos fariseus e dos detentores do poder constituído, Lhe haviam deixado claro que aquele percurso poderia ser o último da sua vida. Estava deixando definitivamente a Galiléia, a sua terra, o berço da maioria de seus discípulos e Apóstolos. A sua terra tinha sido o palco de muitas curas e milagres, mas Jesus sentia que nada daquilo seria suficiente enquanto seus gestos permanecessem limitados apenas à Galiléia; precisava dirigir-se para Jerusalém, coração do judaísmo e lugar do “julgamento” definitivo de Deus sobre a história do homem (conforme se pensava entre os hebreus).

O Senhor percebia que seus gestos de amor para com as pessoas pareciam ser insuficientes; a sua atenção às mais profundas necessidades daqueles que ansiavam conhecer o verdadeiro rosto de Deus, também parecia ser insuficientes…

O Evangelista Mateus apresenta toda a atividade de Jesus na Galiléia cercada de sentimentos contrastantes e, às vezes, contraditórios. Se por um lado havia uma grande multidão que seguia o Messias esperado, por outro lado nota-se que a vida de Jesus na Galiléia termina com um episódio que manifesta a Sua profunda frustração: nem a multidão, nem os discípulos conseguem ir “além” daquilo que vêem. Quase todos interpretam de modo errado os Seus gestos, a ponto de que Jesus proibiu até aos mais próximos -Pedro, Tiago e João- de tirar conclusões elementares e demasiadamente apressadas: «Não digam nada a ninguém... » disse-lhes.

Seu amor para com os homens poderia alcançar a plenitude somente no mais profundo gesto de amor ao Pai, lá, em Jerusalém. Às vezes, por quanto se façam gestos e atos de amor às pessoas, nem sempre estas conseguem fazer um salto qualitativo que lhes permita ir “além” do benefício que receberam, simplesmente se aprazem com aquilo que experimentam. Para que aconteça um “salto qualitativo”, é necessária a referência a Deus. Esta, por exemplo, é a diferença essencial entre beneficência e caridade, duas coisas que só formalmente são semelhantes, mas essencialmente são diferentes. A beneficência é um simples movimento filantrópico, um ato nobre de solidariedade e nada mais disto; a caridade é um ato que transmite aquela “gratuidade humana que faz conhecer a gratuidade de Deus” (este é o sentido da palavra cariV -caris- da qual vem “caridade”).

Somente o profundo gesto de entrega ao Pai poderia, então, dar sentido àquilo que Jesus fizera para os homens.
Era isto que Jerusalém significava para Jesus. Ali ofereceria ao Pai tudo quanto havia feito para que se realizasse o profundo desejo de Deus, tão bem expresso pelo Salmista: «Escreva-se isto para a geração futura: “um povo novo há de ser criado, louvará o Senhor que do alto do seu santuário, dos céus, olhou para a terra para ouvir o gemido dos cativos e libertar os que eram condenados à morte. Para que fosse anunciado em Sião o nome do Senhor e o seu louvor em Jerusalém, quando se reunirem os povos e os reinos, para servirem ao Senhor”» (Sal. 102,19ss). Um povo novo, então, um povo livre que transforma sua felicidade em gratidão para com aquele Deus que sempre vai ao encontro do homem em qualquer situação este se encontre.

Em todo este contexto, um momento de intimidade com os discípulos ilumina o caminho e manifesta o significado de quanto Jesus estava prestes a viver com toda a intensidade. Um momento que era quase uma preparação para este “novo povo”; um gesto que antecipava o grande mistério do qual a Igreja (representada por Pedro, Tiago e João) seria a portadora até o fim dos tempos.

Com a sua grande capacidade de simbolizar, Mateus coloca o episódio da “transfiguração” no «sexto dia», ou seja, no mesmo dia em que Deus «criou o homem à sua imagem e semelhança» conforme se lê no livro de Gênesis. Nunca saberemos o que de fato os três Apóstolos experimentaram naquele dia, na montanha, junto com Jesus. Certo é que tentaram descrever, com as palavras que tinham à disposição, uma experiência mística que lhes antecipava, em Jesus, o que cada homem poderia ter sido se tivesse dado ouvido à proposta de Deus manifestada, até então, pelas indicações que Deus deu através de Moisés, que edificou e estruturou Israel como povo e Elias, representante do todos os Profetas, os quais deram ao mesmo povo um coração, uma alma, o encanto de pertencer a Deus.

Ali, no monte, aquele momento de intimidade, contemporaneamente apontava para o que cada um de nós é e ainda pode ser. Mostrava aos três Apóstolos a beleza de ser revestido de brancas vestes, as mesmas com as quais eles poderiam ainda revestir cada homem que se confiasse à comunidade que Jesus havia formado. Ao resplandecer diante deles lhes confiava a missão que para sempre teria a Igreja, tão bem significada pelo livro de Apocalipse que descreve os santos como “aqueles que alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro”. Ou seja: revestiram-se da cor de Deus (branco) porque se deixaram revestir pelo amor de Jesus dado até o fim. A imagem do homem novo resplandecia no rosto de Jesus como visibilização da luz que há em cada um de nós.

O homem, criado no sexto dia, (o que na linguagem simbólica da Escritura significa: “muito perto do sete, que é a perfeição”) poderá alcançar toda a sua beleza, sim, porque em companhia de Jesus todos foram «envolvidos pela nuvem» que indica sempre a presença de Deus (cfr. Ex. 13,21; 19,16; etc.). Com Cristo o homem pode receber a sua faísca de divindade, a sua participação à dimensão que supera o humano. A nuvem é símbolo da presença impalpável de Deus que se faz sentir, mas não tocar, que se manifesta e se esconde ao mesmo tempo. É desta maneira que Deus envolverá o homem que se deixa conduzir na sua Comunidade: sentindo sempre a Sua presença e, contemporaneamente, a Sua ausência.

A descrição que nos faz o Evangelista é carregada de elementos ricos de valores religiosos para os hebreus. Como para os mandamentos, ou seja, a antiga “lei”, também a transfiguração acontece numa “montanha” (que, para os povos antigos, indicava o ponto de maior proximidade à divindade).

Analogamente ao episódio do monte Sinai, quando «o rosto de Moisés ficou resplandecente da glória de Jahvé» (Ex. 24,18), o rosto de Jesus brilhou da glória do Pai e suas vestes ficaram «brancas como a luz», (note-se que o branco, é a cor que indica a presença de Deus).

Havia, porém, uma grande diferença entre os dois episódios. Para o Antigo Testamento a maneira de se aproximar de Deus, o modo de agradar a Ele era entendido como o fato de corresponder à Lei, isto é, seguir as “coisas” que Deus proibia ou pedia que fossem feitas. Por outro lado, o homem novo, o homem do “sétimo dia” nasce quando este é capaz de fixar o olhar em Jesus, como se diz dos discípulos: «não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus». Quem vê realmente Jesus verá somente Ele, somente a Ele apontará, somente Ele desejará, “mais ninguém, mais nada” porque possui o amor e o amor é “tudo”, é o que dá a alegria que faz resplandecer de uma luz nova o rosto do discípulo.

Permito-me citar, a respeito, um trecho muito bonito que li no Documento de Aparecida: “A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a boa nova do amor de Deus. Conhecer a Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” (DA 29). Como não reconhecer nisto a missão e o mistério que a Igreja carrega em si?

Não importam quais forem os caminhos para descobrir Jesus como “centro”; tanto pelo caminho da “lei”, dos princípios, -simbolizados por Moisés- ou por uma experiência carismática -simbolizada por Elias- não importa “como” ...contanto que o centro seja sempre Jesus assim como Ele é, e não uma imagem de Jesus que foi forjada na nossa mente, como havia acontecido com as multidões da Galiléia.

A figura dos três Apóstolos parece como a de pessoas que, atordoadas, não sabem o que estão dizendo; parecem absorvidas e ao mesmo tempo distraídas pela interlocução entre “lei” e “carisma” em busca de Jesus. As duas se mostrarão insuficientes; para o Evangelista somente após a morte de Jesus será possível dizer algo sobre Ele, pois um “Salvador” que não passe pela contradição da cruz, do insucesso, da fragilidade humana… é apenas um mito porque no coração do homem há também a dor e o sofrimento. Do mesmo modo dos Apóstolos, também nós, não podemos ter a presunção de “dizer algo” sobre Jesus enquanto não tivermos trilhado aquele caminho, inteiro, que Ele percorreu; enquanto a fragilidade, o medo, a escuridão não tiver batido à nossa porta. Antes disto, no máximo poderemos ter “opiniões” sobre Ele, o resto é presunção.

A narração do episódio da Transfiguração serviu ao Evangelista também para recordar aos primeiros cristãos a inutilidade daquelas tensões entre quem escolhe a “lei” e quem preferir o “carisma”, na sua vida de fé (o que se vê na comunidade de Corinto, por exemplo). Assim, a fim de que ainda hoje não percamos tempo na mesma distração, Mateus nos sugere a porta certa que dá acesso à felicidade, à salvação: olhar “apenas para Ele!”.

A cena, quase que idílica, parece interrompida abruptamente pela nuvem e pela voz. Os dois elementos estão presentes também quando da Anunciação a Maria: «O Espírito te cobrirá com sua sombra» dirá o Anjo a Maria. A mesma «sombra» envolve a pequena comunidade de Jesus, a Igreja aposta diante de Jesus. Esta, como Maria, tem realmente o poder de “dar à luz” filhos de Deus, pessoas novas e continuamente renovadas pelas duas forças que interagem na história da salvação: a percepção viva da presença de Deus –o Espírito, a sombra da nuvem- e uma palavra eficaz: “escute”, “ouça”, “dê credito”... Este é o caminho certo, o caminho pelo qual o “homem novo”, recriado a imagem de Jesus Cristo, pode ser oferecido ao mundo como real possibilidade.

Nem milagres, nem atos ou episódios encantatórios, nem regras ou deveres restavam para os três. Nada disto era assim tão importante. Os três «caíram com o rosto por terra», gesto próprio de quem se havia se dado conta de estar diante de Deus. Este era o segredo, a solução de tudo: se dar conta de estar diante de Deus! Presença viva e palavra. Viver a presença de Deus, trazer consigo a presença de Deus como um tesouro precioso, contemplar a presença de Deus…

…até à Páscoa definitiva.

Deus te abençoe,

Pe. Carlo

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